Retirado de: http://www.brasildefato.com.br/node/12787 - Nádia Tubino (Carta Maior) - acessos em 29/06/2013 (adaptado)
Postado por: Luiz Carlos Conde Junior!
O que é rural e o que é urbano no Brasil? Um grupo coordenado pela professora Tânia Bacelar (UFPE) pretende destravar esse nó, num projeto financiado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário.
O IBGE aponta nossa população rural com 15,64%, quase 30 milhões de habitantes, segundo o censo de 2010. Os pesquisadores acham que pode ser o dobro...
Na raiz do problema um decreto de 1938, governo Vargas, que define como urbano o perímetro definido pelos prefeitos locais. No Brasil cerca de 4 mil cidades têm até 20 mil habitantes. Somos 84,36% de brasileiros urbanos, ou há algo errado nessa história?
O país conta com 5.505 municípios com seus distritos e vilas... é o com mais cidades do mundo. Lembro quando costumava viajar pela Belém-Brasília, em direção ao Tocantins, e passava pelos limites urbanos de municípios localizados nos confins da pátria. A imagem era repetida: uma igreja pequena, uma delegacia e o prédio da prefeitura. Fácil de entender no estado, que na época, a família no poder comandava a administração pública como se fosse uma capitania hereditária. Cada município tem direito ao fundo de participação e de muitas verbas federais. Então, quanto mais, maior a verba.
Empregos desapareceram
Nas décadas de 1960, 1970 e 1980 o Brasil teve um enorme fluxo de migrantes, na maior parte em direção ao sudeste. Foram 27 milhões de pessoas que migraram do rural para o urbano. Os motivos são variados, desde a modernização e industrialização do país, a situação econômica, com falta de empregos na zona rural, o avanço da agricultura mecanizada e da monocultura e os atrativos culturais das metrópoles. Na década de 1990, mais para o final, o fluxo interrompeu e começou a decair.
Ou seja, começou a crescer a população de centenas de municípios considerados rurais, e também começou a inverter o fluxo de migrantes, deixando as metrópoles do sudeste e voltando ao estado de origem.
É preciso entender que entre 1985 e 2006 cerca de 7 milhões de empregos desapareceram na zona rural. A queda, arredondada, foi de 23 milhões para 16 milhões de empregos. Também no mesmo período as propriedades com até 10 hectares, que são maioria no Brasil, perderam cerca de 2 milhões de hectares.
E os donos foram expulsos para o urbano. Mesmo assim elas envolvem um número acima de 4 milhões de unidades e, além de garantir 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros, ainda ocupam milhões de pessoas.
Acabar com o modelo
Portanto, a discussão sobre rural ou urbano não é uma questão teórica. Porque por trás disso tem o agronegócio e a agricultura industrial movida pela química, e do outro lado, a agroecologia e a agricultura familiar, que muito mais do que um modo de produção é um modo de vida, de convívio social e um modelo cultural, que ajuda a manter o pouco que resta de ambiente natural em algumas áreas do Brasil, principalmente na região sul.
A Universidade de Essex, na Inglaterra, diz que existem cerca de 1,4 milhão de agricultores que seguem os princípios da agroecologia no mundo, seus pesquisadores acompanham mais de 200 projetos, corresponde a 30 milhões de hectares. Eles não têm dúvida de dizer que o problema do êxodo rural está no avanço do agronegócio, que desestimula a produção da agricultura familiar e implica na perda da cultura camponesa e dos povos das comunidades tradicionais. No mundo cerca de 1,8 bilhão de pessoas habitam florestas e matas, regiões áridas, encostas íngremes ou terras inadequadas para produção de alimentos.
O ponto central é esse: a quem interessa acabar com a agricultura familiar e camponesa? Se depender das estatísticas, como diz o economista Ignacy Sachs, o Brasil em poucas décadas se tornaria totalmente urbano. Uma discussão que também foi levantada desde a década passada pelo pesquisador José Eli da Veiga.
O plano de realizar esse delírio deve ser dos capitalistas de Wall Street e os clones brasileiros com base na experiência estadunidense – aponta a população rural agrícola em apenas 1%. O problema é que o índice da população não-agrícola, ou seja, mora na zona rural, mas vive da economia urbana, se mantém em 20%.
Uma das discussões que os pesquisadores do projeto bancado pelo MDA deverão definir. Afinal os setores de serviço e industrial das cidades do interior fazem parte do rural. Segundo Tânia Bacelar, a ideia é definir as cidades em faixas demográficas, geográficas e diferenciar nos seis biomas brasileiros definidos – Amazônia, Pantanal, Pampa, Caatinga, Mata Atlântica, Cerrado.
No campo os homens e os velhos
Porém, existem outras perspectivas desse mesmo problema. A população brasileira está envelhecendo rapidamente. Em 2025, o Brasil será o sexto país com maior número de idosos na faixa dos 60 anos – serão cerca de 32 milhões. Uma parte deles vive no campo.
A migração, que começou a cair no final da década de 1990, tornou-se seletiva. As mulheres mais jovens são maioria, na verdade, desde a década de 1980 os demógrafos já registraram este aumento. No caso do Rio Grande do Sul migraram 22% mais de mulheres do que de homens. Porto Alegre é a capital que, desde a década de 1950, conta com maior número de mulheres em relação aos homens.
Dois pesquisadores, José Carlos Froehlich e Cassiane da Costa Rauber, do curso de pós-graduação em extensão rural da Universidade de Santa Maria fizeram um trabalho sobre o êxodo seletivo na região central do estado, envolve 28 municípios. Na faixa dos 25 aos 59 anos, 25 municípios apresentaram predomínio de populações masculinas, evidenciando um processo de masculinização acentuado:
“O êxodo seletivo intenso ocorre há mais de uma década e se desenha como tendência futura. A masculinização que se desenvolve silenciosamente pode comprometer o tecido social dos territórios rurais, tão importante para a região. Com a emigração jovem agrava-se o processo de envelhecimento populacional. O celibato entre os rapazes rurais já se desenha na região”, registraram os pesquisadores.
O estado de Santa Catarina tem para cada grupo de 100 mulheres, 122 homens. Na Europa, conforme um relatório do Parlamento Europeu do início dos anos 2000, o número de agricultores com menos de 35 anos se reduzirá a zero em 2020.
O sul da Europa, principalmente Portugal e Espanha, registram os índices mais altos de envelhecimento da população rural. O Japão já tem mais de 30% da população na faixa dos 60 anos.
Quem vai produzir a comida?
É uma encrenca a mais na época da modernização digital, da globalização, dos mercados onipotentes e da mídia desinformada e totalmente urbana. Além disso, os organismos internacionais, como a FAO, costumam bater na tecla do aumento da produção de alimentos até 2050, deveria crescer de 2,3 bilhões de toneladas para mais de três bilhões, um aumento de 50%. Mas não aborda a questão de quem vai produzir esta comida. Será o agronegócio químico e transgênico, com seus equipamentos cada vez mais sofisticados?
Ou vai sobrar espaço para as comunidades familiares, os grupos tradicionais, as cooperativas de assentados – no RS são 327 assentamentos, em 91 municípios e mais de 13 mil famílias-, ou os faxinais do Paraná, um sistema antigo implantado pelos ucranianos no final dos anos 1800 e que ainda tenta sobreviver.
Faxinal é um sistema que mistura a plantação de erva-mate com as araucárias e que se traduz numa produção menor, mas mais diversificada. Em 1997, uma lei estadual definiu o perfil dos faxinais – atualmente são 44, mas em 1994 eram 121, sendo que 19 estão na região de Prudentópolis, numa extensão de 13.870 hectares.
Na década de 1970 o Paraná foi o estado que mais contribuiu para a migração no Brasil, saíram 2,5 milhões de pessoas da zona rural, muitas delas em direção ao Centro-oeste, e agora, indo para a Amazônia. Como diz uma moradora de outra área no sul do Brasil, na região do rio Ibirapuitã, município de Alegrete:
“Às vezes as pessoas dizem: que buraco. Mas eu adoro esse buraco.”
O depoimento consta de outro trabalho da Universidade de Santa Maria (extensão rural) sobre o esvaziamento do pampa gaúcho. A moradora mora a 70 km da sede do município, ou seja, a cidade.
Os filhos precisam sair de casa para cursar o ensino médio que não tem na região e não há transporte público. A passagem custa R$15. Os jovens querem estudar, querem evoluir, como em qualquer outro lugar do mundo. As atividades na região se concentram na pecuária de corte ou soja. Não é nem o emprego urbano que atrai, porque estas cidades continuam registrando êxodo.
Trabalho em comunidade
É uma situação diferente da agricultura familiar colonial, de tradição europeia. Segundo dados do IBGE de 2006, o RS conta com 378 mil estabelecimentos agrícolas familiares que ocupavam 992 mil pessoas – segundo o censo de 2010, 1,6 milhão de pessoas residem em 515 mil domicílios rurais permanentes.
Eles passaram a industrializar os seus produtos, como o caso da agroindústria das famílias Lazzareti e Picolotto, da comunidade linha Savaris, 7 km do município de Constantina, norte do RS.
Eles desistiram de plantar milho e depender das cotações de commodities. Resolveram ampliar uma área de cana-de-açúcar com variedades específicas. Passaram a produzir açúcar mascavo, melado, schmier (geleia), além de cachaça e licores em 14 hectares. São sete famílias que dividem tudo e ainda trouxeram os filhos de volta, que trabalhavam na cidade como assalariados.
Ainda são responsáveis pelo controle, recolhimento e entrega de 320 cestas básicas destinadas as famílias carentes do município, através do Programa Fome Zero. O selo “Vita Colônia”, da COOPERAC, a agroindústria da comunidade, é um dos modelos que viabiliza economicamente a agricultura familiar e camponesa e mantém viva a chama de um modelo de vida que teima em não desaparecer. E que pretende entrar nas estatísticas como integrante do desenvolvimento social e econômico desse país.